sexta-feira, 18 de junho de 2010

IR À ZONA NÃO ERA TRAIÇÃO

Contribuicao via email do amigo Marcelo

Mário Prata


Outro dia uma revista feminina me entrevistou. Queria saber como é que a

minha geração encarava o problema da traição. Eu não sei porque essas

revistas fazem essas perguntas sempre para mim, para o João Ubaldo e para o

Cacá Rosset.

Expliquei para ela que a minha geração consegue (ainda, com uma certa

culpa), diferenciar o sexo do amor. E a culpa disso é das próprias meninas

da minha adolescência que não deixavam nada. Pegar num peitinho (por cima da

blusa de balon) levava meses, às vezes, anos. Todas eram virgem. Eu disse

todas. Estamos no meio dos anos sessenta. Ficava-se no portão da casa da

namoradinha até às 10 da noite (quando o pai começava a tossir lá dentro) e

depois se juntava um grupinho numa esquina e ia-se para a Zona, tirar aquele

calor de corpo.

Era o que se fazia então: ia-se para a Zona. Outro dia o meu filho de 18

anos me perguntou como era a zona.

Bem, existiam, zonas e zonas. Em Bauru, por exemplo, tinha a famosa Casa de

Eny onde, segundo boatos que a gente ouvia, eram todas universitárias de São

Paulo. Já a Zona da minha cidade, lá na Vila São João, digamos que elas

tinham - no máximo - o curso primário incompleto. Mas eram diplomadas em

outras artes.

Chamava-se Zona porque era realmente uma zona onde a prefeitura liberava a

prostituição. As ruas eram de terra batida, o que dificultava um pouco o

acesso sexual naquele barro todo. As casas até que eram ajeitadinhas. Cada

casa tinha uma "dona" e quatro ou cinco "meninas". Na porta, uma janelinha

pequena. Se a janelinhas estivesse aberta, é porque se podia entrar. Se

estivesse fechada é porque alguém "tinha fechado a casa". E de noite, acima

da porta uma pequena e fraca luzinha. Vermelha.

"Fechar a casa" era coisa dos fazendeiros ricos. Fechavam a casa, pagavam

bebidas para todas e faziam a farra. Eu pensava: quando eu for grande, eu

vou fechar uma casa. Era sinal de status. Vou morrer sem nunca ter fechado

uma casa de Zona nenhuma. Podem ter certeza que é uma frustração que vai me

acompanhar o resto da vida.

Mas eu era adolescente e pobre. Então a gente ia de tarde que elas faziam

abatimento. Ou então ia com o pessoal da Odontologia. Eles iam de branco e

diziam que eram da saúde pública e tinham que examinar as meninas. A

primeira vez que vi uma mulher nua, foi através de um boticão de arrancar

siso.

Mas quando a gente ia à paisana, de tarde, entrava, logo a cafetina ia

perguntando: "paga um cuba, tesão?". Essa frase nunca me saiu da cabeça. Já

não há mais cuba-libre, o tesão está acabando, mas a primeira frase a gente

nunca esquece.

Como vou esquecer da Gaúcha, a minha primeira? Deitei em cima dela com as

pernas abertas e de meias brancas de cano curto, ela riu e disse: "fecha a

perna, menino. Você está parecendo uma estrela marinha". Uma estrela marinha

trêmula e meio mole, eu diria hoje.

Como me esquecer da Véia Isabé, que naquela época já tinha uns 80 anos e era

a decana da Zona? A gente passava em frente à casinha humilde dela e

gritava: "mostra, Véia Isabé" e ela levantava a saia até em cima e ria

gostoso com seu único dente de chupar jaboticaba.

E assim a gente foi crescendo. O amor na cidade com a mocinha para casar e o

sexo na Zona, porque, afinal, ninguém era de ferro.

A primeira vez que eu fiz sexo com amor, com uma namorada, já aqui em São

Paulo, assim que terminei ela se sentou na cama e disse: "não é nada disso,

rapaz. Vamos começar de novo". Foi uma grande mestra e hoje é uma grande

amiga.

Lá em cima eu falava na culpa. Coisa que os salesianos puseram na cabeça da

gente. Hoje já fica difícil separar as duas coisas. O amor e o sexo.

Agora todo adolescente "fica". Foi a grande contribuição social e sexual que

trouxeram ao mundo. Eu só não entendo porque as mulheres da minha idade

também não entram nessa de "ficar". "Ficar" não dá culpa, eu tenho certeza.

Em tempo: no meu tempo, "ficar" era conhecido como "tirar um sarro".

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