Contribuicao via email do amigo Marcelo
Mário Prata
Outro dia uma revista feminina me entrevistou. Queria saber como é que a
minha geração encarava o problema da traição. Eu não sei porque essas
revistas fazem essas perguntas sempre para mim, para o João Ubaldo e para o
Cacá Rosset.
Expliquei para ela que a minha geração consegue (ainda, com uma certa
culpa), diferenciar o sexo do amor. E a culpa disso é das próprias meninas
da minha adolescência que não deixavam nada. Pegar num peitinho (por cima da
blusa de balon) levava meses, às vezes, anos. Todas eram virgem. Eu disse
todas. Estamos no meio dos anos sessenta. Ficava-se no portão da casa da
namoradinha até às 10 da noite (quando o pai começava a tossir lá dentro) e
depois se juntava um grupinho numa esquina e ia-se para a Zona, tirar aquele
calor de corpo.
Era o que se fazia então: ia-se para a Zona. Outro dia o meu filho de 18
anos me perguntou como era a zona.
Bem, existiam, zonas e zonas. Em Bauru, por exemplo, tinha a famosa Casa de
Eny onde, segundo boatos que a gente ouvia, eram todas universitárias de São
Paulo. Já a Zona da minha cidade, lá na Vila São João, digamos que elas
tinham - no máximo - o curso primário incompleto. Mas eram diplomadas em
outras artes.
Chamava-se Zona porque era realmente uma zona onde a prefeitura liberava a
prostituição. As ruas eram de terra batida, o que dificultava um pouco o
acesso sexual naquele barro todo. As casas até que eram ajeitadinhas. Cada
casa tinha uma "dona" e quatro ou cinco "meninas". Na porta, uma janelinha
pequena. Se a janelinhas estivesse aberta, é porque se podia entrar. Se
estivesse fechada é porque alguém "tinha fechado a casa". E de noite, acima
da porta uma pequena e fraca luzinha. Vermelha.
"Fechar a casa" era coisa dos fazendeiros ricos. Fechavam a casa, pagavam
bebidas para todas e faziam a farra. Eu pensava: quando eu for grande, eu
vou fechar uma casa. Era sinal de status. Vou morrer sem nunca ter fechado
uma casa de Zona nenhuma. Podem ter certeza que é uma frustração que vai me
acompanhar o resto da vida.
Mas eu era adolescente e pobre. Então a gente ia de tarde que elas faziam
abatimento. Ou então ia com o pessoal da Odontologia. Eles iam de branco e
diziam que eram da saúde pública e tinham que examinar as meninas. A
primeira vez que vi uma mulher nua, foi através de um boticão de arrancar
siso.
Mas quando a gente ia à paisana, de tarde, entrava, logo a cafetina ia
perguntando: "paga um cuba, tesão?". Essa frase nunca me saiu da cabeça. Já
não há mais cuba-libre, o tesão está acabando, mas a primeira frase a gente
nunca esquece.
Como vou esquecer da Gaúcha, a minha primeira? Deitei em cima dela com as
pernas abertas e de meias brancas de cano curto, ela riu e disse: "fecha a
perna, menino. Você está parecendo uma estrela marinha". Uma estrela marinha
trêmula e meio mole, eu diria hoje.
Como me esquecer da Véia Isabé, que naquela época já tinha uns 80 anos e era
a decana da Zona? A gente passava em frente à casinha humilde dela e
gritava: "mostra, Véia Isabé" e ela levantava a saia até em cima e ria
gostoso com seu único dente de chupar jaboticaba.
E assim a gente foi crescendo. O amor na cidade com a mocinha para casar e o
sexo na Zona, porque, afinal, ninguém era de ferro.
A primeira vez que eu fiz sexo com amor, com uma namorada, já aqui em São
Paulo, assim que terminei ela se sentou na cama e disse: "não é nada disso,
rapaz. Vamos começar de novo". Foi uma grande mestra e hoje é uma grande
amiga.
Lá em cima eu falava na culpa. Coisa que os salesianos puseram na cabeça da
gente. Hoje já fica difícil separar as duas coisas. O amor e o sexo.
Agora todo adolescente "fica". Foi a grande contribuição social e sexual que
trouxeram ao mundo. Eu só não entendo porque as mulheres da minha idade
também não entram nessa de "ficar". "Ficar" não dá culpa, eu tenho certeza.
Em tempo: no meu tempo, "ficar" era conhecido como "tirar um sarro".
sexta-feira, 18 de junho de 2010
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