quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sem sorte, sem arte e sem bater um bolão

Maria Inês Nassif, no Valor Econômico, via blog do Nassif


Um velho amigo jornalista, o José Roberto de Alencar e Silva, resolveu ser setorista de paraíso há uns anos e de forma pouco leal: um cara que nunca teve saúde, convenhamos que não podia simplesmente ter se livrado da pouca que tinha sem preparar muito bem seu séquito de irmãos, irmãos tortos, amigos, ex-mulheres, namoradas, ex-namoradas, que continuam irredutivelmente órfãos dele. Pois bem, Alencar tinha um humor invejável e um texto maravilhoso, usados especialmente quando as situações eram muito ruins. Para contar histórias de “furos” – fantásticos, inacreditáveis, cujo script era sempre um “causo” comprido de narrador mineiro -, o Zezão escreveu o “Sorte e Arte”. Botava a sorte na frente da arte, para não parecer que se achava com mais arte do que sorte – coisa antipática esta, de achar que você é tão Deus do “furo” que ele chega à sua mão trazido pela sua genialidade, sem que nada se tenha interposto entre ela e o pedaço de papel que vai estar na banca amanhã, e depois de amanhã sabe-se lá que volta vai dar para cumprir uma outra função muito distante daquela de informar distintos leitores que os tempos são bicudos mas que as coisas podem melhorar – ou piorar, vai saber.

Nesses três últimos dias que o DEM e o PSDB se separaram mais uma vez (eles racharam em 2002, lembram-se?) fiquei pensando no Zezão. Será que ele atribuiria o fracasso da aliança do DEM com José Serra à falta de sorte, ou à falta de arte, do próprio Serra, na impossibilidade de atribuir a um jornalista a sorte ou a arte de dar um furo sobre o azar da aliança oposicionista? Acho que, na cabeça do Zé (o meu amigo), a avaliação seria a de que faltou inteligência, tato; sobrou uma certa arrogância; passou pela frente também um espelho daqueles de parque de diversões, que mostra pessoas e coisas muito maiores do que elas são. Se o Zé (o Alencar) não tivesse tido a infeliz ideia de ver se tem alguma notícia relevante no céu, acho que ele iria ficar pasmo com a falta de sorte e a falta de arte dos personagens das notícias aqui do nosso pedaço.

Aqui conversando com o Zé (Alencar, bem entendido), o que mais me intriga é o espelho de aumento. Quando puxaram o tapete do DEM, lançando pelo twitter do Roberto Jefferson (PTB-RJ) – vejam só, do Roberto Jefferson – o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para vice de Serra, o PSDB agiu como se o DEM não tivesse qualquer opção a não ser estar com ele, em qualquer circunstância. Isto é, que o ex-PFL era tão destituído de sorte e de arte que tinha mesmo era de comer o prato feito, e de sobremesa a observação do miniblog de Jefferson, de que “o DEM é um partido de m…”

Daí, a realidade, que não depende nem de sorte, nem de arte, em algum momento aparece. O DEM elegeu 65 deputados em 2006. O PSDB elegeu 66. Os dois têm direito rigorosamente ao mesmo tempo de propaganda eleitoral gratuita que o outro. O PTB, que agiu com toda a desenvoltura a que está acostumado Jefferson, carrega para a coligação 22 deputados. O tempo de televisão e rádio é proporcional à bancada eleita em 2006. Seria uma arte conseguir, por meio dessa aritmética esquisita onde os 66 do PSDB passaram a valer muito mais do que os 65 do DEM, uma aliança em torno de uma chapa puro sangue com Álvaro Dias, o senador do Paraná cujo irmão, Osmar, é do PDT e vai se coligar com a candidata do PT, Dilma Rousseff. Seria também uma baita sorte. Não foi nem uma coisa, nem outra. Nem azar foi. O espelhão do circo deu ao PSDB uma ideia muito maior do que a que tinha sobre si mesmo. O Serra agiu por impulso. E a candidatura de Dias durou alguma coisa próxima a três dias.

Pois bem, o Zé que infelizmente não está aqui veria também o lado do DEM. Como o espelho deles não os diminuiu; como o partido tem consciência de que ele e o PSDB estão em situações muito ruim (ninguém pode se gabar nem um pouquinho do outro); como não lhes sobrou muita alternativa senão brigar pela vice – e olha, tem gente que nem queria brigar nada, bastava continuar do lado do Serra -, o DEM deu a volta por cima e conseguiu um vice. Sem qualquer uso de sorte ou arte. No grito, simplesmente. Se tivesse feito arte, o resultado teria que ser melhor do que um Índio da Costa (DEM-RJ). Mas daí é pedir muito: é torcer para o dono da bola, José Serra, ser um artista, e para a bola, por pura sorte, ser depositada nos pés do time. É pedir demais.

Ainda mais sabendo que o candidato Serra agiu sem sorte, e sem arte, em 2002, com situações, aliás, tão favoráveis a ele, que um pouquinho de arte teria ajudado muito. No mês de junho de 2002, quando os partidos se preparavam para fazer as convenções que oficializariam os candidatos a presidente, Serra foi o alvo de uma campanha de correligionários, destinada a tirá-lo da disputa. Os fiéis aliados do mercado financeiro e do mundo da economia, que vinham de uma lua de mel com Fernando Henrique Cardoso, armaram um “balão de ensaio” para tirá-lo do páreo. O balão é um boato que você espalha na mídia para ver se cola junto ao eleitor e junto ao partido. Se colar, vira fato. Serra, que já havia passado por cima de uma candidatura do então PFL, a de Roseana Sarney (MA), e comprado uma briga feia com Tasso Jereissati para ser o candidato de seu partido à Presidência, bancou sua pretensão. O balão furou. Sem nenhuma sorte, e sem nenhuma arte.

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